Não é novidade que a pandemia mudou completamente a sociedade e, consequentemente, o mercado em que estamos inseridos. Desafios antes nem sequer imaginados, agora fazem parte da realidade de muitas empresas.
No entanto, em meio às dificuldades e, muitas vezes à desesperança, algumas plataformas de financiamento coletivo, conhecidas como plataformas de crowdfunding, apresentam ações interessantes no combate aos impactos do COVID-19.
A intenção desse artigo é compartilhar as melhores práticas dessas plataformas em resposta à crise econômica e social que estamos vivendo. Mostrar exemplos de mercados mais maduros como Alemanha e Holanda e exemplos do mercado brasileiro. Além de fomentar, claro, a discussão sobre o que ainda precisa ser feito, o que pode melhorar e o que não está funcionando.
Confira na sequência alguns exemplos inspiradores.
(Vale lembrar que os exemplos estão segregados de acordo com o tipo de plataforma. Para entender essa classificação, confira esse artigo onde eu explico no detalhe esses conceitos: “Crowdfunding: o que você precisa saber para ganhar dinheiro com investimento coletivo“).
Plataformas de Crowdfunding – Doações/Recompensas (donation-based/reward-based)
Imagine o impacto do distanciamento social na vida dos moradores de rua que viviam em grande parte das doações que as pessoas realizavam quando estavam nas ruas.
Na Alemanha, a plataforma Betterplace criou uma campanha para doações chamada Strassenspende em que voluntários distribuem o dinheiro arrecadado através de notas de €20 para os sem-teto. Uma maneira simples e eficaz de ajudar em primeira instância. Esse é o poder do crowdfunding, criar fluxo de financiamento para pessoas que geralmente não podem acessá-lo de outra forma.
Além de facilitar as doações, essa plataforma também coopera com o evento UnitedweStream.Berlin que apoia os clubes de música em Berlin levantando doações para eventos online via streaming.
No Brasil, a plataforma Benfeitoria criou 4 frentes dedicadas na ajuda de grupos específicos: profissionais de saúde, artistas e produtores, comércios locais (como restaurantes, mercados, bares, etc) e famílias que estão passando por situações críticas.
Além disso, a plataforma que operava apenas com o modelo tudo-ou-nada (em que o projeto recebe apenas se conseguir atingir a totalidade da meta de arrecadação), agora está operando com o modelo flexível (em que o projeto recebe o valor arrecadado mesmo sem atingir a meta).
Ela já arrecadou R$52.451.053 para os projetos que combatem o impacto do COVID-19 na sociedade.
Um outro exemplo é a plataforma Vakinha que realizou uma parceria com o PayPal em que a cada doação feita através do PayPal, o parceiro adiciona R$5 à doação.
Já a plataforma Catarse lançou uma campanha chamada “Catarse Solidária” que se aplica a todos os projetos relacionados ao combate do COVID-19, em que permite que o criador da campanha escolha a taxa que será paga à plataforma até um limite mínimo de 6,5% do total arrecadado. A taxa normal praticada pela plataforma é de 13%.
Muitas plataformas baseadas em recompensa criaram landing pages para facilitar as campanhas de crowdfunding como a dinamarquesa booomerang.dk, a francesa Ulule, a holandesa Voordekunst, a suíça Wemakeit.com e a polonesa PolakPotrafi.
A plataforma alemã StartNext baseada em recompensas, possibilita que pequenas e médias empresas realizem a pré-venda de produtos e serviços. A empresa abriu mão das taxas transacionais na tarefa de apoiar mais de 300 estabelecimentos à arrecadarem mais de €500.000. A plataforma holandesa CrowdAboutNow oferece o mesmo tipo de serviço.
Plataformas de Crowdfunding – Empréstimos (lending-based)
No que diz respeito às plataformas europeias baseadas em empréstimo, todas estão realizando testes de stress em seus modelos, avaliando as possibilidades de inadimplência decorrentes da crise econômica já esperada.
Algumas como a Kapilendo estão oferecendo informações às empresas e aos investidores de como acessar o apoio público.
No Brasil, a plataforma Mutual criou uma nova linha de crédito para ajudar os microempreendedores. Consiste em um empréstimo de R$1.000 com juros de 1% a.m. Ainda é possível parcelar o pagamento desse empréstimo em 9 vezes e começar a pagar após três meses da contratação.
Como resultado ela já arrecadou R$300.000 e mais de 400 pequenos empreendedores já foram beneficiados.
Um outro exemplo brasileiro, é a plataforma Firgun. Ela constituiu um fundo chamado Fundo Periferia Empreendedora para ajudar micro e nano empreendedores da periferia. Consiste em um empréstimo de R$3.000 com juros de 0% a.m. para pagamentos sem atrasos, ou 1% a.m. para pagamentos atrasados. Se o empréstimo for pago sem atrasos, o empreendedor não pagará a última parcela, caso contrário, deverá pagar todas elas.
A plataforma possui 95 empreendedores cadastrados e já arrecadou R$350.000 e emprestou R$26.150.
Plataformas de Crowdfunding – Participações (equity-based)
Na Europa, tanto o crowdfunding imobiliário como os projetos baseados em energia renováveis continuam captando fortemente. Investidores aumentam a demanda desse mercado na busca de diversificação de seus investimentos.
Quer saber mais sobre como investir em uma startup, confira esse artigo: “4 passos para investir em uma startup“.
Em muitos países, podemos ver que os investidores não desejam apenas um retorno financeiro, mas desejam que os projetos sejam bem-sucedidos. Na Holanda, todas as grandes plataformas de equity-crowdfunding anunciaram que seus investidores concordariam com um período de carência entre 3-6 meses em que o projeto ou a empresa não precisará pagar os juros e não precisará reembolsar seus empréstimos.
A perspectiva de longo prazo desse tipo de financiamento/investimento, fez com que as plataformas aumentassem a sua capacidade de integração de um número maior de empresas. A plataforma austríaca-alemã Conda criou a landing page condahilft e promete reduzir as taxas para todas as empresas interessadas em captar através da plataforma.
A plataforma alemã Aescuvest focada em healthtech (startups da área de saúde) criou um fast-track para startups e companhias com problemas de liquidez desenvolverem ações contra o COVID-19, além de liderar uma aliança entre 6 plataformas chamada CrowdBeatsCorona.
No Brasil, a SMU disponibilizou em sua plataforma a oferta da startup Aurratech, empresa especializada na desinfecção de ambientes e superfícies utilizando a tecnologia “fog in place” muito mais sustentável e eficiente que as tecnologias tradicionais.
Esse caso brasileiro é bem interessante pois a Aurratech já trabalhava para mais de 40 multinacionais do ramo alimentício e após o COVID-19, a empresa foi contratada para desinfectar hotéis, bancos, ministérios e áreas de produção de empresas por toda Europa.
A companhia conseguiu levantar R$1.014.000 através de 135 investidores na rodada de captação feita através da SMU.
A Fundedbyme, plataforma sueca, abriu espaço para incluir campanhas de doações assim como fez a brasileira Bloxs com a campanha “Bahia contra a COVID-19”.
E a também brasileira CapTable, com a campanha Barracão Digital, plataforma que operacionaliza o teleatendimento e o telemonitoramento por grupos de médicos independentes. O objetivo nesse caso é salvar vidas sem construir hospitais.
A alemã CrowdDesk, provedora white-label de serviços de crowdfunding, abriu seu produto ONE STARTER para as pequenas e médias empresas afetadas economicamente pela pandemia levantarem até €100.000.
Outra boa maneira de oferecer suporte a plataformas de equity-crowdfunding é constituir um fundo de garantia. A plataforma alemã Ecoligo criou um fundo para garantir os pagamentos de juros e empréstimos aos investidores que financiam os projetos. Este fundo será inicialmente constituído com €50.000 da própria plataforma, que cobrirá os pagamentos que estão por vir nos próximos meses.
Na Holanda, as plataformas de financiamento coletivo tem acesso ao mesmo fundo de garantia acessado pelos bancos no caso de eventos de default. Esse é um suporte adicional aos investidores individuais de crowdfunding.
No Brasil, as plataformas de equity-crowdfunding endereçaram ao BNDES, em março de 2020, a proposta de um programa de parceria. O objetivo é apoiar projetos focados no combate ao COVID-19 e ampliar o acesso ao capital para as MPME’s (micros, pequenas e médias empresas) afetadas pelas consequências econômicas em função da pandemia.
A ideia é utilizar as plataformas como meio para facilitar o fomento de mais negócios com o capital do BNDES, aumentando assim a sua capilaridade. Em uma das fases desse programa, acontecerá a emissão de dívidas com garantia de 100% do capital através da utilização do FGI (Fundo Garantidor para Investimentos).
Com a edição da MP 975 em 02 de junho, o governo federal poderá aumentar em até R$20 bilhões, ao longo do tempo, sua participação no FGI e os recursos serão usados na cobertura das operações contratadas até o fim deste ano.
O Ministério da Economia informou que, para cada R$1 destinado ao fundo, até R$5 em financiamentos às pequenas e médias empresas podem ser liberados. Deste modo, se o aporte somar os R$20 bilhões disponíveis (liberados de acordo com a demanda), até R$100 bilhões poderão ser emprestados.
Perspectivas
Não há dúvidas de que muito se tem feito no combate aos impactos do COVID-19, mas sabemos que o trabalho que está por vir é ainda maior. É imprescindível o apoio do governo nas várias frentes desse embate. Subsidiar as taxas operacionais das plataformas de empréstimo, por exemplo, é uma maneira de tornar as transações mais atrativas tanto para os investidores como para os tomadores.
Constituir fundos de garantia para os empréstimos e contribuir proporcionalmente com a arrecadação nas pré-vendas de produtos e serviços também resultaria em um grande impacto. Se a cada R$1 recebido pela startup o governo contribuisse com R$0,25 até um montante de R$1.000 por exemplo, a empresa que vendesse R$4.000 receberia mais R$1.000 do governo.
Existem várias maneiras de estruturar um pacote de crédito que seja muito mais do que linhas emergenciais que não chegam na ponta e não impactam quem realmente precisa.
Apesar do Brasil ter um sistema financeiro sólido, sabemos que a acessibilidade aos serviços financeiros é bem precária. Não é atoa que o ecossistema de fintechs brasileiras foi um dos primeiros a se desenvolver no âmbito das startups e a ser reconhecido como um importante hub global.
Além disso, existe uma ineficiência estrutural no acesso ao funding. Entre 2014 e 2017 houve uma redução da participação das MPME’s nas carteiras de créditos ativas dos bancos com uma diminuição do volume de R$986 bilhões para R$705 bilhões. A distribuição do crédito fica limitada a um grupo pequeno de bancos grandes, e a aprovação sujeita às respectivas políticas de crédito dessas instituições.
Criar fluxo de financiamento para as pessoas que geralmente não podem acessá-lo de outra forma; esse é o poder do crowdfunding! Por que não utilizá-lo?
E você, conhece alguma iniciativa que eu não citei? O que você acha que poderia funcionar nesse mercado? Deixe seu comentário 🙂
E não perca os meus próximos artigos sobre inovação, empreendedorismo e investimentos alternativos.
Até lá!
Nota: Obrigada a todos que contribuíram com os dados e as informações que possibilitaram a construção desse texto.
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